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Carol Proner e Ricardo Lodi: Recuperação fiscal que mata a autonomia estadual

Carol Proner e Ricardo Lodi: Recuperação fiscal que mata a autonomia estadual

Entre as restrições financeiras impostas pela União aos Estados, para que demonstrem confiáveis e merecedores dos crédito federais, estão os cortes em direitos dos servidores, instituição de teto de gastos e reforma do regime próprio de previdência

A primeira semana de outubro foi agitada na Assembleia Legislativa Fluminense. O Estado do Rio de Janeiro busca, para fazer jus aos instrumentos de recuperação fiscal disponibilizados pela Lei Complementar 159/2017, alterada pela Lei Complementar 178/2021, adaptar-se a todo custo ao regime fiscal de austeridade seletiva já consolidado a nível federal.

O regime de recuperação fiscal proposto pela legislação federal não busca auxiliar a recuperação fiscal dos estados, mas, ao contrário, o que pretende é exercer o controle definitivo da autonomia financeira desses entes, condicioná-los à política de austeridade fiscal seletiva caso desejem o socorro do governo central.

Entre as restrições financeiras impostas pela União aos estados, para que demonstrem confiáveis e merecedores dos crédito federais, estão os cortes em direitos dos servidores, instituição de teto de gastos e reforma do regime próprio de Previdência. Estas restrições somente não foram adotadas integralmente pelas leis votadas no parlamento fluminense em razão da força política dos servidores públicos.

E para além das condicionantes austeras impostas apenas para entrada no regime, a hipótese de contratação de crédito oferecida pela União aos entes ainda impõe como garantia a vinculação das receitas tributárias e dos repasses financeiros pertencentes aos estados por força constitucional. Ou seja, – por consequência, a solução apresentada a estados endividados para reorganização de suas finanças não depende apenas do corte de suas despesas, mas também do corte de suas receitas.

O que está em evidência, portanto, em sede de aprovação do pacote de medidas legislativas pela Assembleia Legislativa Estadual, é a ideia da União como banco que centraliza recursos e exige análise creditícia dos estados para concessão de crédito, uma relação entre credor-devedor que desconsidera a imensa parcela de responsabilidade da União no endividamento histórico dos demais entes federados.

Desde a implementação do novo pacto federativo, os estados estão à mercê dos colapsos financeiros ocasionados pelo fracasso neoliberal e se veem obrigados a barganhar favores com a União. E dessa vez não foi diferente.

Caso a cobrança de valores se justificasse pela insuficiência patrimonial ou financeira a nível federal, seria possível a defesa de uma relação de crédito mais criteriosa, mas quando comparamos a capacidade arrecadatória e econômica dos entes federados no fio da história, essa hipótese não se mostra razoável.

Assim, está claro que o regime de recuperação fiscal proposto pela legislação federal tem como finalidade não a recuperação fiscal dos estados, mas o controle pleno da autonomia financeira e a submissão aos rígidos parâmetros de austeridade fiscal.

Carol Proner é advogada, doutora em Direito, professora da UFRJ, integrante da ABJD e Ricardo Lodi é do reitor da Uerj

FONTE: O DIA online

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