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‘Se o Rio voltar a pagar a dívida em 2020 não terá dinheiro para mais nada’, diz Luiz Paulo

Presidente da CPI da Crise Fiscal do Rio, instalada na Alerj, o deputado Luiz Paulo (PSDB) avalia o resultado dos trabalhos da comissão, que encerra suas atividades amanhã. Depois de um longo período de incertezas para o funcionalismo público, que enfrentou atrasos salariais em 2016 e 2017, o parlamentar apostou na apuração das causas do colapso financeiro do estado.
Agora, o tucano, que foi vice-governador na gestão de Marcelo Allencar, entre 1995 e 1998, afirma categoricamente a necessidade de o Rio renovar com a União o Plano de Recuperação Fiscal. E bate na mesma tecla que o atual governo: para que o pagamento do serviço da dívida com o Tesouro Nacional só seja retomado a partir de 2024. Caso contrário, são grandes os riscos de um passado não tão distante ser revivido pelos servidores.
O DIA: De tudo que foi apurado pela comissão, quais foram os principais fatores que contribuíram para a crise fiscal do Rio, que estourou em 2016?
LUIZ PAULO: São muitos fatores. É preciso retomar o desenvolvimento econômico do estado para que aumente a receita. O governo, com a ajuda de outras instituições e da iniciativa privada, tem que estruturar um plano estratégico de desenvolvimento econômico regional para ter caminhos para seguir. Essa crise se deu por quê? Porque tivemos uma queda na economia brasileira e no nosso estado. O nosso PIB ficou por dois anos negativo, somente voltou a crescer em 2017 e 2018. Mas, assim mesmo, em 2017 com crescimento de apenas 1%, e 2018 com 1,2%. Não tem receita que cresça se o PIB não crescer. Essa é a primeira questão.
E as demais causas?
O segundo fator é a responsabilidade da União no governo Dilma, quando não deu continuidade aos leilões para a concessão de novas áreas petrolíferas, que fez não crescer a produção. A terceira foi a corrupção na Petrobras com seus tentáculos no governo do estado. Quando a Petrobras desabou, a nossa receita de royalties e participações especiais foi para o chão, e paralisou o nosso Comperj, que até hoje não está funcionando, que outra luta imensa é terminar a unidade de produção de gás natural e fechar essa parceria com a empresa chinesa CNPC para começar a fazer a refinaria. Então, esse somatório, faltando alguns pontos, é que realmente fez o estado desabar. E a nossa crise é muito mais de receita do que de despesa, porque as três áreas que mais consomem pessoal (recursos para pagar salários) são de empregos intensivos: Segurança, Educação e Saúde. E não há como fazer corte de pessoal nessa área.
E a gestão do Estado do Rio nos últimos anos?
Os governos anteriores, principalmente nos últimos 15 anos, acumularam gestões ineficientes. Inclusive, quem fez o planejamento de obras dos governos nos últimos anos foram empresas que estavam interessadas… O estado aumentou seu endividamento de uma forma muito grande sabendo que não tinha receita para poupar. Inclusive, fazendo empréstimos em cima do Rioprevidência de adiantamento de receita de royalties. Isso é o que eu chamo de gestão temerária, você tomar empréstimo de uma receita que ainda não veio.
O endividamento é apontado por técnicos do governo como um dos causadores da crise também…
Claro. A ânsia de fazer obras, com todo um viés de corrupção, foi comprometendo o estado e aumentando muito o endividamento do Rio. Como a Petrobras e seus tentáculos no governo do estado. Isso quem está dizendo não sou eu não, é a Operação Lava Jato.
Os números (de dívidas) hoje apresentados pelo governo são alarmantes. Pelo que a comissão vem analisando, há risco de atraso salarial novamente?
Veja só, eu acredito que, esse ano, talvez dê para fechar (a folha). Porque as receitas dos royalties e participações especiais estão muito altas. Mas riscos existem. Nós tivemos, em 2018, restos a pagar de R$ 18 bilhões. No orçamento de 2020, a despesa vai ser maior que a receita na ordem de R$ 10 bilhões. Se a recuperação fiscal, que se encerra nos seus primeiro três anos em setembro de 2020, não for renovada, vamos começar a pagar a dívida de forma crescente saltando de R$ 7 bilhões para chegar em 2023 na ordem de R$ 21 bilhões. E aí não vai ter dinheiro mais para nada. Como também se essa decisão do Supremo, em novembro, sobre a a Ação Direta de Inconstitucionalidade (que discute a lei de partilha de royalties) for contrária, o que eu não acredito, não terá mais dinheiro.
O impacto seria imediato. E qual seria a saída?
Aí é entregar a chave ao governo federal para decretar uma intervenção e eles chegarem aqui com um saco de mais de R$ 30 bilhões para começar a governar. E eles não têm esse dinheiro.
O senhor vai apresentar o relatório final da CPI amanhã. Quais serão as principais recomendações ao governo do Rio?
Na segunda-feira, serão incluídas emendas para a aprovação final do relatório, que já foi 95% aprovado. Dividimos as recomendações por setores do governo. As mais importantes e estratégicas nós estamos fazendo direto ao governador. A primeira, inegavelmente, é que haja um diálogo entre toda a sociedade fluminense para que possamos fazer um grande movimento para influenciar o STF nesse julgamento da ADI. Seremos vencedores se prevalecer a liminar dada pela ministra Cármem Lúcia, para que alguns artigos da lei da partilha não entrem em vigor. Se isso não ocorrer, o estado quebra de imediato.
E os demais pontos?
O segundo ponto é algo absolutamente imperioso: a renovação do Regime de Recuperação Fiscal, que termina em setembro de 2020, para até setembro de 2023. Mas com duas questões centrais: o alongamento do perfil de pagamento do serviço da dívida.
Qual seria a proposta de pagamento?
Para que se retome o pagamento após o término do regime, em 2024. E ser expurgado do total da dívida o valor de R$ 13 bilhões, que foi introduzido pelo Tesouro Nacional, porque, erroneamente, considerou o Estado do Rio devedor mesmo no período de vigência do Regime de Recuperação Fiscal, em setembro de 2017. Dessa forma, punindo o estado cobrando a taxa Selic de juros mais 1%. Sendo que, na verdade, quando se assinou o regime, foram suspensos os pagamentos de todas as dívidas. E, por consequência, o estado ficou adimplente.
Os trabalhos da CPI também focam na temática de óleo e gás. O que será sugerido nessa linha?
A terceira recomendação trata disso. A fronteira de óleo e gás para nós é extremamente importante. As únicas receitas que são crescentes são as que não dependem do estado, mas são receitas que se derivam de royalties e participações especias. Estão sempre crescentes, pois a produção do pré-sal aumenta ano a ano, o barril de petróleo está com preço de mercado bom, acima de US$ 60 (dólares). E até agora com o incidente na Arábia Saudita cresceu um pouco mais, e também o dólar sempre oscilando acima de R$ 4. Então o óleo nosso do pré-sal cada vez mais é atraente.
Então, quais são as críticas?
Mas estamos perdendo muito na exploração do gás, porque só temos um duto para vir gás da Bacia de Santos, onde tem o pré-sal, que está em construção, que é o Rota 3, que vai até Itaboraí. Então, a nossa perda média de gás por reinjeção, que é pegar o gás que sai e botar novamente dentro do solo, era de 10% ao ano. Agora, nos últimos cinco anos, passou a ser de 20%, dobrou. Significa que, nos últimos cinco anos, perdemos mais de R$ 2,8 bilhões. E isso será sempre cada vez mais crescente, porque a Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) permite que os planos de desenvolvimento desses campos tenham volume de reinjeção muito grande. E nós não temos culpa de que não se tem tubulação necessária para tirar todo o gás. Então, é justo que a ANP discuta com o governo do estado a equação que seja também melhor para o estado, e não só a ótica das empresas exploradoras de petróleo.
E os outros dois temas que o senhor tem batido na tecla na CPI são a questão da Lei Kandir e a cobrança da dívida ativa. O que está por vir?
A Lei Kandir também é sempre esforço nosso, mas tem que ser do Brasil inteiro. O Congresso precisa regulamentar a Lei Kandir no sentido de melhorar as compensações dos estados. E isso tá sendo postergado. Se não quer regulamentar a Lei Kandir, dá liberdade aos estados de taxarem exportações. Mas dá uma equação que diminua essas perdas do estados e, principalmente, no nosso estado. O único produto que a gente exporta de fato é petróleo… E a gente perde duas vezes: perde porque exporta e não pode cobrar tributo, e perde porque um dos poucos produtos que não se cobra o ICMS na origem é o petróleo. E essa é outra questão importante.
O que será proposto em relação à dívida ativa?
A dívida ativa do estado tem um retorno ridículo em relação ao montante que nos devem, de cerca de R$ 106 bilhões. Por que os sistemas implantados na Procuradoria Geral do Estado, sistema de informática, não falam convenientemente nem com a Secretaria de Fazenda nem com o próprio Tribunal de Justiça, nem tampouco a Procuradoria alimenta com os dados necessários o Ministério Público Estadual para o órgão também colaborar na fiscalização destas empresas (devedoras). E também a própria PGE também não tem gente suficiente dedicada a esse tema. Quem tem que resolver essa questão de fato é o governo para melhorarmos esse nível de arrecadação.
Mas representantes desses órgãos estiveram em audiências da CPI. O que ficou acordado?
O Judiciário esteve na CPI, já está informatizado, à disposição para isso. O MP do Rio quer, mas a PGE e a Fazenda estão inorgânicas em relação a essa questão. E os números são assombrosos: o estado tem uma dívida consolidada líquida de R$ 154,9 bilhões, segundo o TCE, e o valor que temos a receber da dívida ativa é de R$ 106 bilhões.
Quais medidas práticas vocês, integrantes da comissão, vão apresentar ao governo?
As recomendações ocupam 15 páginas do relatório, e temos para as secretarias de Desenvolvimento Econômico e a Fazenda, a PGE… Algumas propostas já sugerimos ao governador, como a necessidade de se fazer um convênio urgentemente com a ANP para que a Fazenda e o Ministério Público Estadual tenham acesso aos dados da agência sobre todas as concessionárias que exploram óleo e gás. Depois de votado o relatório, vamos encaminhar cópias a todos que participaram da CPI, inclusive Firjan, Petrobras etc.
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